sábado, 26 de maio de 2018

DESTINO É O PRÓPRIO CAMINHO

Longe de transformar essa redação numa leitura científica, ou numa opinião conceitual sobre realidade x imaginação, pretendo contar da forma mais concreta possível o início de minhas experiências mentais que fizeram e fazem todo o sentido da minha existência. Sem apegos ou desapegos a diagnósticos, apenas um relato e um encontro de sentido transcendental.
Sou uma pessoa desacreditada do conceito de destino enquanto "Maktub". Não se pode acreditar em algo assim quando se presencia tantas intervenções macro e microcósmicas nas nossas escolhas e nos sentidos que damos aos acontecimentos. Percebo a vida enquanto acontecimento, o que esta por vir depende e é impossível de prever.
Talvez eu concorde com o destino enquanto caminho e não chegada. Uma construção permanente e irremediável de acontecimentos, um "mal feito feito". Os acontecimentos podem ser representados em novas versões, mas jamais refeitos ou consertados. Jamais apagados.
As vezes tenho vontade de morrer. Em verdade é um desejo que não passa, mas que ganha proporções e intensidades diferentes conforme os acontecimentos. Eu penso que todo mundo é assim. Pensar que passamos todos pelas merdas da vivência (mesmo que diferenciados tipos de merda) nos une em um só desejo de fim. Não o desejo de morte tabu, que não pode ser dito e temos sempre que pensar positivo para afastá-lo, dar sentido à vida: isto é a violência em forma de ajuda, só mais um tipo de controle vital ineficaz. Mas a morte enquanto sentimento, enquanto fim de ciclos, enquanto soterrar os caminhos pra não precisar voltar atrás, um descanso.
O destino ele é infinito, é impossível chegar lá onde quer que eu queira ir, pois jamais saberei o que tem lá. O caminho cansa quando os obstáculos me fazem voltar dez casas de uma chegada imprevisível. Dentro de uma noção de que o que é imaginado é real e o real é imaginado, tudo muito complexo, precisamos de um novelo.
Alguns anos antes do meu primeiro surto psicótico eu passava muitas tardes no quarto pensando. Não tinha expectativas de chegar a algum lugar, não entendia o que era o caminho e tinha muito medo de me frustrar. O Ensino Médio estava acabando e eu não me via além daquilo, ao mesmo tempo que já materializava umx perdedorx. Na escola sempre me divertia com os colegas, falávamos de desejos e de futuro, mas eu não acreditava, sabia que iria fracassar.
Esse forte sentimento ansioso de fracasso se somava a uma baixíssima auto estima, rejeição e solidão. Tudo era confirmado por ações de outras pessoas que simbolizavam o que já era uma verdade para mim. Frequentemente me desentendia com familiares ou amigos, que muitas vezes se "juntavam" contra mim. Além de fracassadx eu era a pior pessoa do mundo. Contraditoriamente eu tinha um humor exaltado, x palhaçx da turma com piadas e "zoadas" criativas, muito criativas. Por conta da intensidade, tinha um espírito de liderança muito forte. Uma personalidade expressionista, não conseguia esconder meus sentimentos e nem minhas opiniões. Entre risos e choros, discussões e até violência, o período escolar foi conturbado e regado a muitos prejuízos, especialmente por não compreender porque eu não conseguia ser invisível, eu só queria ser invisível.
Depois que recebi meu diagnóstico comecei a pensar que talvez bipolaridade fosse um pouco disso, ser o oposto do que deseja ser. Essa doença me tomava cada dia mais e eu sempre me culpava por ser o centro das atenções. Eu não suportava mais, eu precisava de outra história sem os holofotes do horror.
Mudei de cidade, mudei de estado, mudei de escola, mudei de amigos, mudei de família. Tudo novo pra recomeçar sem interferências. Mas nada mudou. Veio a irritação, a ansiedade, a depressão. Foram meses não entendendo nada, se sentindo triste por nada, criando e criando motivos para me isolar, ao mesmo tempo que pedia socorro, mas ninguém entendia. Eu pensava que as pessoas entendiam, que sabiam o que eu precisava e tinham que me contar. Elas não contavam porque não entendiam e eu as odiava por isso.  As pessoas eram más comigo e eu era só uma criança frágil e inocente no meio daquelas pessoas más, decididas e felizes.
Com muito esforço terminei a escola. Eu era muito capaz, sempre boas notas, aprendia rápido, mas muitas faltas acompanhadas de um sentimento de vazio e delinquência. Ao voltar pra minha cidade Natal consegui um emprego onde eu tinha de lidar com a rotina,  não podia faltar quando não queria ver ninguém,  tinha que ser simpáticx, agradável e feliz. Essa foi minha sentença em direção ao surto.
Parece que quando tive que controlar meus impulsos de forma radical, fechei uma torneira de algo que estava sendo constantemente abastecido pelo meio em que eu estava. Eu engolia pensamentos e opiniões,  fingia gostar das pessoas e sofria porque não podia mais explodir.
Foram alguns meses nessa contenção até que um dia aconteceu. Dentro de uma sala isolada com vidros eu comecei a ter fortes ânsias de vômito. Não conseguia andar pois eram muito intensas, me sentei e assustada comecei a chorar. Me via toda vomitada nas pernas, o chão todo inundado de liquido e pedaços de carne. Eu engoli toda aquela gente e vomitei porque foi demais pra mim.   Mas na realidade eu regurgitava e nada saia, eram só contrações do estômago. O gerente da loja que parecia me observar a muito tempo entrou e tentou me acalmar, trouxe água e também me trouxe de volta mostrando que o chão estava limpo, chegou a sentar no chão. Acalmada eu fui levada para uma clínica médica, onde pela primeira vez eu tive contato com o suposto diagnóstico de transtorno bipolar e as medicações necessárias.
Depois desse dia eu não conseguia mais manter o teatro. Passei a brigar muito com as pessoas, não tinha nenhum relacionamento saudável. Pra mim era eu contra todos. Eu não tolerava qualquer tipo de "mancada" das pessoas, tinham que ser perfeitas pra mim e elas nunca eram. Eu ria muito e chorava muito também. Me sentia a pessoa mais importante desse mundo e também a mais insignificante. Pedi demissão após um mês desse episódio. O patrão, que gostava muito do meu trabalho, me convenceu a tirar férias, me tratar e voltar mais calma. Ele não entendia que aquelx era eu, ele esta iludido com meu falso selfie.
Nas férias eu me mediquei e também me alcoolizei. Eu só queria viver tudo intensamente, eu não temia as consequências. Retornei ao trabalho e incomodei muito em uma semana, até que explodi na frente de um cliente e mandei o chefe à merda. Era hora de jogar tudo fora e recomeçar em outro lugar. Passei no vestibular, mudei de cidade, mudei de amigos e dessa vez ia mudar até de cara. Precisava limpar o vômito que ainda permanecia no meu corpo, não levaria nada daquela gente.